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domingo, 29 de setembro de 2013

Ali eu vi um homem


Indo comer uma pizza com SARA agorinha aqui em Salvador, conversávamos sobre garçons, suas metas e o famoso 10%.
Inevitavelmente lembrei dos meus amigos garçons. Pantera, Grilo, Gueu, Galego, Nelson, Barbosa e tantos outros.
Em especial, lembrei dos fornecedores e de um garçom que trabalhamos uma semana atrás no Forró LIGHT 5.
Foi uma festa grande, magnífica, com uns 10 fornecedores de materiais, passando desde a empresa que compramos copos, até a Schin, nossa patrocinadora a quem devemos muito, nas pessoas de João, Aldo, Walquer, etc.
Ocorre que esse ano criamos uma área diferente para o LIGHT, a qual denominamos de “área vip”. Essa área era de única e exclusiva utilidade para pessoas diferentes.
Mas qual critério seria utilizado para diferenciar essas pessoas? Um pouco complicado. Usamos, então, o critério subjetivo da coisa. Fizemos pulseiras que davam acesso à área. O ingresso teria que ser comprado normalmente. Estariam nessa área nossas famílias, nossos patrocinadores e pessoas que, caso não houvesse essa área, não iriam para o evento. Homens e mulheres mais maduros, que vão com suas famílias, querem sentar em determinado momento da festa, tomar uma bebida sem ter que pegar fila e certas regalias, como acesso ao palco e camarins.
Para tomar conta dessa área teria que ser uma pessoa idônea e disposta a encarar um novo desafio, visto que botaríamos num freezer bebidas e deixaríamos sob a sua responsabilidade.
Como funcionaria?
Especificaríamos, antes de dar início ao evento, a quantidade de cada produto, botaríamos conjuntos de mesas e cadeiras disponíveis para ele melhor trabalhar, e ao final contaríamos a quantidade de produto que saiu. Em seguida, era preciso prestar contas do que foi vendido.
Em contrapartida, nós da produção do evento, pagaríamos sessenta reais fixo, acrescidos de cinco reais por cada litro de uísque/vodka vendido. Isso daria ânimo para que os garçons desse “espaço diferenciado” vendessem o produto, já que também receberiam por isto.
E assim ocorreu. Mais ou menos. (a cara de Nanaíra).
No meio da festa sou interceptado por Dips que me indaga:
- Keu, já foi na área vip ver como está? É que a festa acaba daqui a quarenta minutos (tínhamos liberação da prefeitura com tempo determinado em função da nova Lei do meio ambiente – Isso ele não falou. Eu – KEU – estou explicando) e tem que ver como está lá.
- Bem lembrado, Edi. Vou lá sondar.
E assim fiz. Mais ou menos também. (Nanaíra de novo)
Encostei nele e perguntei:
- Márcio, você tá cobrando a vista?
Ele afastou o rosto com uma cara de que estava cuspindo o ouvido dele todo e fez o sinal de positivo. Era como se ele quisesse que eu fosse embora e que tava tudo OK.
Em meio às mil coisas em que se tem que resolver dentro de uma festa, fiz o que ele queria. Saí e fui ao camarim. Comer algo, eu acho.
Ao término do evento, recebo mais uma notícia ruim.
Mais uma? Sim, mais uma.
É que durante a festa, um cidadão de bem botou a mão dentro do buraquinho improvisado para venda de fichas e furtou um “bolo” de dinheiro, levando a moça que vendia as fichas ao desespero. Ela chorava e tremia. Ela me olhava com uma cara de desculpas e repetia incansavelmente que não acreditava que aquilo tava acontecendo.
Era realmente inacreditável. A bilheteria não tinha sido do jeito que esperávamos, então, o bar seria a oportunidade de tirar alguma coisa. Um “bolo” de dinheiro é um “bolo” em qualquer canto.
Felizmente não nos fez falta. E ainda que fizesse, tenho certeza que agiríamos da mesma forma. Até porque durante o desenrolar dessa coisa toda, não sabíamos se a festa ia ser boa ou ruim, financeiramente falando.
Encostei no ouvido dela e comentei:
- Tenha fé, galega. Vai dar tudo certo.
- Eu vou receber, ainda? Perguntou tremendo e chorando.
- Sim, claro. Isso foi um acidente de trabalho e a responsabilidade é nossa. Você não tá trabalhando com “mundiça”. (Nessa hora lembrei do meu RN – só eles falam isso).
Pena que não a acalmou.
De saída, já com o evento encerrado e com o sol nas costas, fui para a área VIP e ali vi um homem.
Olhei para o Sr. Márcio (garçom da área VIP) que ensaiava um choro. Os olhos deles vidrados no além apontavam pra algum lugar fora do planeta. Era como se ele não quisesse acreditar.
Com a mão na cintura, apoiou a outra no ferro do toldo e disse:
- Parece brincadeira, bicho. Como pude deixar isso acontecer?
Ele, dotado da mais inteira confiança e seriedade das pessoas que ali (na área VIP) habitavam, vendeu fiado para as pessoas que, supostamente, ao fim iriam pagar-lhe.
Foram 6 ou 7 litros. A cento e vinte reais, isso daria um valor fora da sua realidade. Ainda mais porque ele tinha ido ali para ganhar. Trabalhar para ganhar. E não o contrário.
Mais uma vez, sem acreditar que aquilo estaria acontecendo com ele e com a gente (PRODUTORES DA FESTA), segurei também no toldo e disse:
- Relaxe. Vai dar certo...
Era só nisso que eu queria acreditar, que tudo desse certo.
Deixei-o a vontade fazendo a contabilidade das coisas, vendo os produtos que saíram e sobraram. Pouco tempo depois voltei e ele estava mais calmo.
Contamos juntos e chegamos ao resultado final. Uma diferença pequena, mas que, novamente, não afetaria jamais no seu pró-labore.
Seríamos nós (Eu, Lucas e Dips), três pessoas cruéis e desumanos ao ponto de querer que a conta desse exata numa festa daquela proporção e num desafio que também era novo pra gente?
Seríamos nós, ainda eu, Lucas e Dips, três idiotas em não pagar por uma noite perdida para a moça que foi roubada por um filho da puta qualquer?
Não. Não seríamos, não somos. Não seremos...
Assim como eu vi em Márcio um HOMEM, que ensaiou um choro de desespero por ter sido ludibriado por terceiros, a comunidade jacobinense vê em Dips, Lucas e em mim, três homens da espécie de Márcio, diferentemente de alguns fornecedores os quais trabalhamos nesse evento.
Diferentemente de tanta gente que a gente esbarra...
Fica a postagem somente para homenagear os garçons, em especial aos que estão acostumados a trabalhar conosco, que ligam para saber quando é a próxima, pela certeza inexorável de que será muito bem pago e, além de tudo, muito bem tratado.
Um abraço aos garçons, aos meninos que colaram cartazes, ao pessoal que vendeu ficha, aos produtores das bandas, a Sérgio Polpa Mel, aos amigos da SCHIN na sua totalidade, Sr. Wilson da Oxente, ao pessoal do SINPRORUR e alguns outros.
Outros poucos, isso não nos fará falta. O LIGHT não é grande, mas é FORTE o suficiente para aguentar coisas maiores que isso.
Feliz, muito feliz por saber que Jacobina tem homens da espécie MÁRCIO.
Feliz, muito feliz por ter realizado um sonho ao lado de um amigo do peito e de um sócio que pensa um passo a mais.
Feliz, muito feliz por saber que estamos no caminho certo.