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domingo, 18 de setembro de 2011

Seu ‘Valdé’ e as aulas de violão




“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez... eu sei!!!
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem”

“Se quiser alguém em que confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança”

Quando pequeno, por mais estranho que pareça - por ter um gosto musical diferente - era essa a música que eu gostava e queria fazer aquele solo no violão.
Aperreei papai um bocado até ele providenciar um professor. Como santo de casa não faz milagre, eu mesmo arranjei.
Seu Valdé. Esse era o nome do meu até então professor de violão.
Morava na ultima rua da caixa d’água, perigoso bairro de Jacobina, com muitos desempregados, jovens sem famílias, portanto, foco de muita droga e violência. Sejamos claros!
A primeira aula eu fui sozinho, subi as escadas ali na esquerda da Igreja da Conceição morrendo de medo, com um pequeno violão, capa branca, emprestado do amigo de papai, conhecido como Raimundinho. Bati as mãozinhas na grade da casa e ouvi uma voz mandando subir. Subi meio encabulado e me apresentei falando baixo. Ele perguntou se eu não era homem pra ta falando daquele jeito. Dei uma risadinha sem graça e fomos pra garagem, conhecer o nosso local de aula. Muitos violões, guitarras, cavaquinhos, instrumentos de percussão, máquinas. Ele, além de músico, realizava consertos. Sentamos e começamos a conversar do jeito que ele gostava. Tinha uma aparência agradável. Velho, cabeça branca, moreno, sergipano. Perguntou por que queria tocar violão, qual estilo eu gostava, se não era fogo de palha. Completou dizendo que eu sairia dalí sabendo um pouquinho do que ele sabe, o que pra mim já bastava. Cheguei ao colégio encantado e contando aos amigos da novidade. Logo atraí o interesse de outros amigos, que ainda não tinham se manifestado.
Ainda na primeira semana de aula, não mais encabulado, levei um CD e pedi pra ele ouvir a música de Renato Russo, pra minha surpresa, a primeira vez que ouviu, conseguiu fazer o tão sonhado barulho que eu nunca consegui aprender. Solava de um jeito engraçado, rindo da minha cara, como se eu estivesse prestes a conseguir. Eu, com a boca aberta, me surpreendia e ficava olhando pros dedos dele, que ia mudando de nota em nota, querendo decorar pra repetir e finalmente aprender. Sem sucesso, eram muitas pestanas pra um iniciante.
As conversas eram puxadas pro sertão, pro Nordeste. Ele dizia que eu era ladrão de jegue lá de Tobias Barreto, interior do SE. Me agradava, a gente ria um bucado.
Os dias passaram e eu ganhei um parceiro de aula. Era o meu amigo Matheus Brasil. No primeiro dia de aula ele já chegou à oficina/sala de aula bagunçando, tocando o terror, o timbau, repelique, me trazendo sérios problemas. Na primeira oportunidade que Seu Valdé teve ele me chamou a atenção pra regular o “cabeludo”, como ele gostava de chamar. Criei coragem e dei algumas dicas ao meu parceiro de violão. Aprendemos seqüências, algumas músicas simples, até brincamos uma vez lá na porta de casa, tocando “Asa Branca”. Ele solava e eu fazia a base. O cantor era papai, todo besta. Lulinha e Luquinhas também chegaram a fazer duas ou três aulas, mas não deram seqüencia.
Era muito bom, mesmo subindo a escada do Coliseu às três da tarde. Tinha um cachorro da rua que a gente chamava de “Baleia”. Quando acabava a aula a gente não queria ir embora, queria ficar brincando com os instrumentos. O jeito era botar “Baleia” pra correr atrás da gente. A carreira era grande. Os risos maiores ainda.
Dezembro chegou e a gente encerrou aquele ano “letivo” com nossos violões.
Com o ano seguinte já na ativa, tenho hoje a impressão que o fogo que ele havia me perguntado no começo do ano e da história, tinha se apagado. Sem dar satisfações que teria saído, papai me pegou pelo braço, botou dentro da F1000 e fomos lá, falar que não mais iria ter aulas. Desistiria então do sonho. Como sempre, Seu Valdé me abraçou e disse que tava me esperando qualquer hora e que nos encontraríamos pelas ruas da cidade.
Meses depois ele adoeceu, a desgraçada da diabetes pegou ele de jeito, amputou o dedinho do pé. Tive na casa pra visitá-lo, mas poucos dias depois ele faleceu. Como era membro assíduo da igreja, músico e super popular, foi velado na casa das freiras, no bairro do Leader.
Eu nunca gostei desses lugares, mas eu tinha que ta ali, dando o ultimo adeus ao meu amigo. Quando a tampa do cachão foi colocada, olhei pra Matheus que abraçava a mãe dele de um lado e eu mamãe do outro. Choramos juntos a ultima visita ao nosso eterno professor de violão, o sempre prestativo Seu Valdé. Hoje eu sei malmente fazer um dó maior. Mas é pegar num violão e lembrar do meu mestre. É tocar Asa Branca e lembrar do meu professor. É ouvir Renato Russo e não querer mais saber mais daquela música, mas é reviver aquela cena. É ver Matheus destruindo na guitarra e lembrar do nosso pra sempre amigo.

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