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domingo, 4 de dezembro de 2011

A nossa Tia Nã


Bastava chegar essa época que eu e Sara nos preparávamos pra ir pra roça. Era um tempo que não fazia ideia do que seria uma recuperação, do que queria ser ou como hoje estaria. Nós tínhamos a certeza de que seria bom e voltaríamos descansados, depois de uma despedida com muito choro, pra não perder o costume.
Na verdade eram três boas opções de férias. A bela Natal, a tranquila Aracajú e a diferente roça de Gi. Prós e contras, pra mim tanto fazia. Onde estivesse estaria muito bem acomodado. Aracajú durante um tempo não agradava Sara. Na flor da adolescência queria vir pra Salvador, lugar mais agitado e onde as amigas estavam.
A roça tinha tudo que eu queria dentro da minha realidade. Casa, candeeiro, mato, terreiro, jumentos, galinhas, um porco que me deu carreira, pé de jaca e um chafariz que jorrava água a vontade, dava até pra vizinhança. A companhia, alegria e simplicidade de dona Júlia, Benedito, Dalvan, Tio Sininho e Tio Antônio eram fora de série. As brigas de Sara e Gabriela por espaço com Gi deixava mais animado. Eu ficava só assistindo. Digo a você sem medo de errar que tenho pra mais de cinquenta histórias interessantes, mas o que me traz aqui hoje é a figura da nossa Tia Nã.
Deixa eu tentar explicar. O lugar é o Mançambão, distrito de Miguel Calmon, mas bem mais perto de Piritiba. A roça ficava num povoado do distrito, já chamado de Araújo, que assim como Jenipapos e Olhos D’água existem vários. Passados muitos e muitos mata-burros, eu, Sara, Gi e outros tantos moradores do lugarejo viajámos sob um pau de arara. Acho que hoje Sara nunca viajaria daquela forma. Chega a ser engraçado. Porque era tão bom, divertido, mesmo com a demora entediante. O nome do motorista era “Toin”. Essa figura me reconheceu da ultima vez que estive por lá e disse:
- Esse é o gordinho? Teu filho virou homem, Gicélia!
Eu ria rapaz, achando que devo ter mesmo virado um homenzinho. Ele ficou de me apresentar o seu filho em 1998, até hoje...
A questão de se referir a mim como filho de Gi é normal. De Miguel Calmon até Piritiba sou filho dela. De lá pra trás, de Lícia e Fagundes.
Tia Nã quase nunca ia fazer feira “na rua”, como eles chamam quando se referem à zona urbana. A gente sabia que ela ia tá no sofá esperando a gente, prontinha pra dar um abraço bem feliz, comemorando a nossa chegada.
Negra, velha e forte. Cabelos e dentes completamente brancos. A casa que ela tava esperando a gente não era a dela. Era a de dona Júlia, mãe de Gi. A dela ficava mais pra dentro, escondida por uma bonita plantação de mandioca e uma casa de farinha particular que parecia mais comunitária. Acho que aquela foi uma construção do velho pai de Gi. Como já dito neste blog, não tive o prazer de conhecer.
A gente atravessava aquele caminhozinho andando e correndo, esquivando do cansanção e tocando naquela plantinha. “Fecha porta num sei quem, o boi ta vindo ai”. Era algo assim... não me lembro bem o que era dito.
A casa dela era menor, mas bem mais bonita. Pés de caju, umbu, seriguela e um caçoa que as galinhas chocavam os ovinhos. Tive inclusive a emoção de ver o momento exato que o pintinho sai do ovo. Chamei todo mundo, menos Sara. Ela não poderia empatar comigo, era só meu! Rss
Em dois mil e alguma coisa ela adoeceu. Eu ainda era pequeno, mas sabia que ela não duraria muito entre nós. Deu tempo dela “curar” Sara de uma série de verrugas espalhadas pelo corpo. Médico, laser e livro nenhum teve o “poder” de tirar aquilo de Sara. Até hoje abro a boca, acredito que ela principalmente, que só a nossa Tia Nã conseguiu acabar com uma bendita reza.
Era algum câncer, acho que era até no estômago que não deixava ela se alimentar direito. Algumas tardes ainda fui visita-la na casa. Papai evitava que eu fosse porque sempre voltava meio estranho. Seis meses de luta e ela veio a falecer. Foi a pessoa mais próxima de mim que já faleceu. Uma tia diferente que eu e Sara certamente lembraremos pra sempre com carinho. Os carinhos e o jeito que ela tratava a gente era coisa de sangue. Um anjo negro, um anjo que criou um menino abandonado com deficiência mental sozinha. É esse que tá na foto por trás.
Ela tá no colo de Benedito, irmão de Gi e sobrinho dela. O sorrisão deve demonstrar como ela era. Muito especial!
A gente morre de saudade!

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