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domingo, 6 de maio de 2012

Fabio não! Fabinho...

Era um dia de domingo qualquer, que a gente se reúne, chama um bom amigo e almoça algo diferente do santo feijão semanal. Satisfeitos, sentaram no sofá de casa, na minha adorável Cônego Samambaia, papai e seu amigo das antigas Rogério. Conversa vai, foi e veio. Futebol não é o forte, política não vos interessava à época, então, vamos conversar sobre desigualdade social? Todos sentam pra conversar sobre esse batido tema, seja numa mesa de bar, num almoço em família, fóruns internacionais e salas de aula. Muito se fala, mas pouco se resolve. Eu sou filho d’um cidadão que sabe resolver problema, mas tem que ser dos outros, porque se for dele, ta fudido. Algumas palmas soavem levemente no portãozinho do quintal de casa. Gi e mamãe atenderam assustadas uma mulher alta, negra, com dois meninos negros, franzinos, sujos e com fome. - Vamos entrar! O que querem? Se prontificou papai, sem titubear. Acho que ele tinha que provar que era tão bom quanto o discurso inovador e corajoso da proza. Tomaram banho de mangueira, almoçaram, brincaram, fizemos um movimento na nossa rua. Era uma mulher que poderia vestir roupa de Gi tranquilamente, uma criança da minha idade que vestiu roupas minhas e um outro, de dois anos, no máximo. Esse ultimo, a razão por este conto, era divertido, feliz sem ter um porque, só por existir, catarrento e danado, como toda boa criança. Tínhamos Marcelinho e Rafinha, duas crianças da mesma idade que prontamente (seus pais) doaram roupas para o sapeca Fabinho. Mas, e agora? Vão voltar pra rua, dormir na rua, pedir na rua, continuar a vida de cão? Veio a ideia então das irmãs, as minhas queridas Irmãs de Calcutá. Um grupo de freiras que moram no nosso bairro e cuidam de crianças carentes, alimentando, divertindo e catequizando. Outro problema: Fabinho poderia ficar, a idade permitia. Seu irmão e sua mãe não. Ainda dormiram uma ou duas noites, mas os dois apresentavam problemas psicológicos, anulando qualquer chance de continuarem no ambiente. Com muito pesar, continuaram a vida na rua, até sumirem no mundo. Fabinho continuou na casa das irmãs e algum tempo depois surgiu um convite especial. A irmã Terezinha queria que papai e mamãe fossem os padrinhos daquele “guri”. Marcada a data, curso de padrinhos feito, tudo certo e aprumado pra batizá-lo dia 24 de dezembro de algum ano que não me recordo. Igreja lotada, ele um pouco assustado, mas brincando e muito feliz. Ele tava todo importante, era bom de ver. Mamãe com ele no colo, inclinou a cabeça do boy e o Frei Raimundo disse: - Fábio eu te batizo... Imediatamente ele enxugou os olhos e disse: - Fábio, não! Fabinho... A cena foi fantástica! A igreja caiu nas graças do menino arrancando boas risadas dos presentes. Depois fomos pra casa, afinal, era Natal, dia especial em que o forno cheira a coisa boa, a fruteira ta arrumadinha com frutas intocáveis (coisa de pobre – não notem). A gente brincou um monte, até que deu a hora do almoço. Mesa posta, tudo muito bonito e gostoso. Começamos a almoçar, fizemos o prato de Fabinho que comia devagarzinho. - Algum problema, Fabinho? Quer mais o que? Diga ai, diga... Lembro que eu tentei ir dando de aviãozinho, gostava mesmo dele. Eu, ele e Jeverson (primo). Lembrei agora...na mesa só tinha nós três. Depois de afastar o prato com as duas mãos, ele perguntou assustado: - Aqui não tem farinha não? Ter, tinha. Mas o almoço não pedia aquele acompanhamento. Eu fui no armário e trouxe a farinha. Ele, dessa vez sorrindo, botou a mão dentro do farinheiro, pegou um punhado de farinha e botou na boca. Era o retrato fiel da pobreza, da falta do que comer, do costume de tá se alimentando noite e dia d’um alimento sagrado, típico da nossa região, mas que não sustenta o cidadão. Eu saí na hora, peguei uma uva na intocável fruteira e saí pra lavar o rosto. Era pequeno, mas sou filho de quem sou e não aguentei assistir aquela cena. O que a gente tinha que fazer era matar a fome daquele nosso amigão, nem que fosse com farinha. Inventamos, esquentamos feijão, um arrozinho e a tal farinha, do jeito que ele queria e adorava. Espero, do fundo do meu coração que ele esteja bem, comendo farinha, mas com um bom feijão. Esteja vestido e calçado numa boa havaiana. Não esteja passando frio nem fome. É isso que qualquer um lá de casa sente sempre que falamos nesse nosso anjo negro Fabinho, que um dia passou por nossas vidas.

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