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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Meu Divino Espírito Santo



É dia de comemorar, dia que já sinto daqui o cheiro de traques e bomba de um real lá da venda de Sr. Pituta ou Manéu Fogueteiro. É dia primeiro de junho, mês que vamos comemorar os santos festeiros. Eles não... A gente, né?!
Com as várias mudanças no calendário esse ano, comemoraremos dia 12 o Divino Espírito Santo, o meu santo. Costumo dizer isso lá em casa pela profunda admiração que fui adquirindo ao longo do tempo pelo santo, pela data. Nunca é uma data fixa, dependendo muito da quaresma, mas sempre muito esperada por mim. No sábado que antecede a festa é dia da missa mais bonita que já vi. Com muitas pessoas do lado de fora, o padre fala ao microfone: “Então, eis que das alturas surgia o Divino Espírito Santo”.
É ai então que do alto do cruzeiro tem-se um espetáculo de fogos e as pombas voam em busca de liberdade do alto da igreja. Elas coincidentemente sempre estão lá, no alto, e voam na hora certa, ou pelo menos, assustadas com os fogos. Sábado também é dia de chapear os cavalos, reúne-se a vaqueirama e cuida dos cavalos, porque domingo certamente será um espetáculo de cavalos lindos e vestidos de vermelho pela rua. Na madrugada existe a alvorada. São queimas de fogos entre quatro e cinco horas da manhã. Igreja da Missão, Matriz e Conceição. Desde os seis anos que toda madrugada eu me levanto, abro a janela disfarçadamente e aceno pra o querido João Araújo do carro de som.
O Divino Espírito Santo é a festa mais bonita e mais cara que a igreja católica realiza. É feito um sorteio no ano anterior, dentro da igreja, onde nomes estão no papel e dalí sairá o Imperador e o Alferes. Grandes personalidades Jacobinenses já ocuparam esse cargo religioso, entre eles o pai do meu grande amigo Davi, Antônio Rocha, Sávio Valois, Alberto da Farmácia, Seu Leonídio, entre outros.
Eu sempre quis que papai fizesse parte, mas sempre sendo barrado pelas desconfianças de mamãe, que dizia (com razão) que aquilo não era democrático, envolvia política e uma panelinha fechada. Ele também tinha o pé meio atrás porque havia se afastado da Igreja logo que chegou a Jacobina. O motivo seria a posição da igreja diante a mineração. Ele não podia abrir mão do trabalho pra dar continuidade à religiosidade que aprendera no Rio Grande do Norte. A gente tinha que mudar isso. Sem mamãe saber, papai e um grande amigo, Moura, se inscreveram e foram escolhidos. O dia da escolha foi uma alegria e tanto, eu tava de cavalo e ouvi o povo falando pela rua. Era difícil de acreditar. Sara dobrava a rua chorando, feliz com o feito. Começaram os trabalhos. A mineração, as notas fiscais e as novenas eram no mesmo tempo, tomando um bom espaço da noite, horário de trabalhar e analisar as coisas da JMFagundes. Foi complicado, mas as novenas tinham um ar mais de gratificação, porque era interessantíssimo rodar os distritos nos ônibus da Guimarães e conhecer as peculiaridades de cada povo onde a gente passava. Passada essa parte que duraram uns oito mêses, inicia-se então a busca aos animais e brindes que fariam parte do tradicional Leilão do Divino Espírito Santo. Na busca era notório a descrença do povo que não mais fazia questão de doar. Motivo? Então vamos lá porque eu gosto é de polêmica. Pessoas da sociedade, de nome, mas que não agem de boa fé, esperavam todo o ano para que se chegasse o dia do leilão religioso para arrematar os animais e não pagar. Ou seja, enchia o pasto com uma boiada nova e sadia do Divino e não pagavam. Mas isso tinha que mudar. Concorda? Foi aí então que com um leilão de poucos animais, Walber e Moura criaram um sistema de boletos e promissórias com ligação direta com o Banco do Brasil. Portanto, você compraria, mas aí sua dívida seria com o Banco, que lá são outros quinhentos, amigo. Teve um que ainda comprou seis e não pagou, o que papai fez questão de pegar a F1000 da época e ir buscar na fazenda dele, pra aprenderem como é que se faz. Aliás, como não se faz. O ano seguinte, com Alberto sendo imperador, teve muito mais respaldo com os doadores, o número de animais praticamente dobrou. Voltando lá pras alvoradas, no ano de papai foi excelente, porque eu pude participar, dirigir o carro de som. Kkk
Pra mim era ótimo, porque era tarado pra dirigir, menino novo... Mas o que me marcou mesmo foi o que passava no som. Eram várias mensagens de agradecimento gravadas anteriormente. A de papai era o momento de agradecer as nossas mães. Mas, oxe! Papai desde os dezoito anos que não tem mãe, então, diferentemente de Moura, ele não tinha a mãe pra agradecer. Lógico que não conheci a minha avó, mas sei do papel e importância dela pros meninos e pra cidade de São José de Mipibu. Era ai então que papai soltando os rojões de fogos, chorava parecendo menino. Era bonito!
Ele costuma dizer que o Divino Espírito Santo tem duas histórias, uma antes e uma depois de Arilson. Ele deu um toque de luxo e beleza que a festa necessitava. Já eu, costumo dizer então que a festa tem três fases. Antes e depois, só que de Arilson, Papai e Moura. No segundo caso, foi um toque de moralização e respeito.
Dando continuidade... A festa é bonita pela sua particularidade e seus efeitos sociais. São escritas centenas de cartas ao Juiz da cidade explicando o porquê de estar preso e porque merecia sair. O Juiz então escolhe e solta aquele individuo, que retornará a vida em sociedade normalmente. Quando eram homens, eles vinham direto pra JMFagundes, trabalhar na mineração. Foi aí então que tive meu primeiro contato na delegacia de Jacobina e não quero voltar mais nunca. A escolhida foi uma menina, filha de uma senhora freqüentadora da igreja que havia matado o namorado, alegando legítima defesa, presa em flagrante, que demoraria vários anos para ter a oportunidade de ser julgada. Pessoas ligadas ao dito cujo queria se vingar da mesma durante o cortejo do Divino. Agora você imagina a cena. Os casais de Imperadores e Alferes na frente, atrás, duas crianças representando o Imperador mirim e a ex detenta. Mamãe e Idma estavam pra morrer, literalmente.
Enfim, as alas passam desfilando. A ultima sempre é a mais esperada e mais bonita, logicamente a dos cavaleiros do Divino Espírito Santo. Os olhos brilham!
Sempre na segunda seguinte é comemorado o dia de São Benedito. É aí que eu fiquei um pouco pensativo, mas alegre. Pra quem não sabe, São Benedito é o único Santo negro da Igreja. Sendo assim, em um dia era o Divino, festa que seria, teoricamente, feita para os brancos e ricos. Na segunda, como uma espécie de compensação, viria o dia de São Benedito. Tenham certeza que em Jacobina essa prática é inexistente. São dois queridos Santos, duas lindas festas comemoradas por todas, sem qualquer distinção.
Um dos meus inúmeros sonhos que tenho é ser Imperador ou Alferes do Divino Espírito Santo, pra poder reviver tudo aquilo que vivemos. Foi muito bonito!

2 comentários:

  1. Quando vamos colocar os nossos nomes? rs
    Esse ano pra minha tristeza nao pude estar no leilao, mas vou me esforçar pra chegar a tempo pra festa.
    Mais uma vez parabéns meu querido Keu, belissimo texto!

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  2. Tbm tem vontade, é? Vamos então, assim que a gente se formar.
    Dia 12 estou lá, montado e de vermelho!

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